matéria publicada originalmente pela revista Istoé
https://istoe.com.br/joe-biden-sente-o-gosto-da-vitoria/

Com Trump acuado pela Covid-19, a vitória do democrata está cada vez mais próxima. Bolsonaro perderá seu maior aliado, e produtores brasileiros terão desafios

Joe Biden já sonha com o dia 20 de janeiro, data da posse do novo presidente. O democrata estava na frente nas pesquisas eleitorais e ampliou sua vantagem com a notícia de que o presidente Donald Trump foi parar no hospital com Covid-19. Biden foi beneficiado com essa “surpresa de outubro”, um evento inesperado que ocorre tradicionalmente na reta final da campanha e mobiliza os comentaristas políticos. Além da vantagem numérica — 57% a 41%, segundo levantamento da CNN —, o democrata está à frente nos “swing states”, que serão cruciais no Colégio Eleitoral. Com isso, o mundo passa a se debruçar sobre o que representará um cada vez mais provável governo Biden.ADVERTISING

O democrata já anunciou que as primeiras horas de governo serão direcionadas para mudar o combate à pandemia — o calcanhar de aquiles de Trump, que foi duramente criticado por sua resposta negacionista e irracional. Biden deve priorizar um sistema de testagem em massa da população. Para Leonardo Trevisan, professor de Geoeconomia da ESPM, o democrata deve se aproximar dos governadores e unir forças com a comunidade científica. “Ele tem uma postura globalizada. Deve acatar e as decisões da Organização Mundial de Saúde”, diz. É uma mudança de rota. Trump deixou de contribuir financeiramente com o órgão, além de deslegitimar suas determinações. “Com Biden essa estratégia deve mudar rapidamente”, afirma Trevisan. Outra ação urgente será retomar o pacote de ajuda trilionária aos trabalhadores e pequenas empresas, que está em negociação no Congresso e foi paralisado por Trump.

CRISE Em xeque pela sua gestão durante a pandemia, Donald Trump luta para reverter a desvantagem (Crédito:Win McNamee/Getty Images/AFP)

O republicano vinha se beneficiando do crescimento econômico antes da pandemia. Mas os críticos apontam que a redução de impostos e a desregulamentação açodada favoreceu principalmente as grandes corporações. Os trabalhadores tiveram ganhos modestos, que foram revertidos rapidamente na crise deste ano. Já são mais de 13 milhões de desempregados. Biden deve favorecer uma intervenção maior do Estado, com menos benefícios fiscais aos ricos e às grandes companhias, o que pode baixar a produtividade da economia. Mas isso será benéfico em tempos de pandemia.

Especialistas acham que Biden vai favorecer especificamente áreas como tecnologia e startups, além de empresas de audiovisual e de streaming — para agradar a área mais à esquerda do Partido Democrata. “É o modelo californiano de desenvolvimento, a economia criativa”, pontua Trevisan. Mas uma das mudanças mais evidentes será na questão climática. O democrata quer mudar o paradigma da indústria baseada no carbono, que foi defendida por Trump. Deve investir US$ 2 trilhões na economia de energia limpa. A vice, Kamala Harris, deve ficar à frente das negociações para o retorno ao Acordo de Paris.

Nas relações exteriores, um eventual governo Biden deve reverter a política protecionista e agressiva do atual presidente. Continuará a haver preocupação com a ascensão chinesa, mas com menos tensão e mais diplomacia. Para o economista Carlo Barbieri, presidente do Grupo Oxford, de consultoria brasileira nos EUA, Biden está vinculado sobretudo ao multilateralismo. Por isso, a política de sanções que vigorou no período Trump, privilegiando acordos bilaterais, deve desaparecer aos poucos. “Nas novas negociações, haverá recomendações e autorizações, não punições”, explica.

Biden conhece profundamente o Brasil e deve priorizar
a questão ambiental. Bolsonaro perde seu grande aliado

Essa nova política externa deve ser benéfica para o Brasil no curto prazo — especialmente para o setor sucroalcooleiro nacional. Biden terá menos obrigações com os produtores de etanol do Meio-Oeste, pois não o ajudaram durante a campanha. A despeito de o presidente Jair Bolsonaro ter um histórico de apoio e subserviência a Trump, isso não beneficiou o Brasil na prática. Agora, o País pode negociar uma maior exportação de açúcar para os EUA, em troca da importação de etanol à base de milho. “Biden é mais flexível ao açúcar brasileiro”, diz Barbieri. Na área de siderurgia, as negociações iniciadas em dezembro devem ser aceleradas. O Brasil exporta chapa de aço para os EUA, taxados em 25%. “O Brasil deve traçar uma estratégia para diminuir essa tarifa”, pondera o especialista.

Defesa da Amazônia

Em relação ao Brasil, a Amazônia será um tema fundamental, já avisou o democrata. Esse será um ponto de atrito certo com Bolsonaro. No primeiro debate entre os candidatos, Biden disse que iria incentivar a doação de R$ 20 bilhões ao Brasil, junto com outros países desenvolvidos, com o intuito de preservar a floresta. Se o governo brasileiro não reverter sua linha antiambiental, o democrata já ameaçou impor sanções econômicas. Espera-se que, nesse caso, Bolsonaro tenha uma atitude mais pragmática e menos ideológica, o que infelizmente não demonstrou até o momento — basta ver seus ataques à China, maior parceiro comercial do Brasil. Apesar dos desafios para o País, o mundo vai se beneficiar. Se o governo Biden se concretizar, líderes populistas de direita, como Bolsonaro, perderão seu principal incentivador. Numa era de ameaça à democracia e banalização das fake news, essa talvez seja a principal boa nova que um novo governo americano pode trazer ao planeta.