Economia subordinada a Segurança Nacional

Se não entendermos que tudo mudou, não entenderemos o que está acontecendo.

Analisemos a realidade chinesa e o porquê da mudança da política americana

Inteligência e Habilidade Chinesa
Há mais de 40 anos, a China, de forma pragmática e silenciosa, iniciou uma transição estratégica que mudou a geopolítica global. Em vez de criar uma nova teoria econômica, passou a subordinar a economia nacional aos interesses de Estado.
Criou uma dicotomia prática:
  • Adotou o capitalismo de mercado para fomentar crescimento e inovação;
  • Manteve o controle centralizado comunista para garantir a estabilidade do poder político.
Esse modelo híbrido permitiu à China:
  • Crescer a taxas médias de 9% ao ano entre 1980 e 2010;
  • Retirou mais de 800 milhões de pessoas da pobreza;
  • Tornou-se a segunda maior economia do mundo em PIB nominal (US$ 17,5 trilhões em 2023), e a primeira em paridade de poder de compra (PPC).
Com sua política industrial fortemente subsidiada:
  • O governo chinês passou a financiar matéria-prima e salários via estatais, permitindo condições para a práticas de dumping em mercados ocidentais;
  • O Ocidente, focado no livre comércio e na maximização do consumo, aceitou de bom grado a “China barata”, compensando com produtos acessíveis compensado a potencial perda do poder de compra causada por impostos e serviços públicos caros.
O Projeto Global: A Nova Rota da Seda
A estratégia de longo prazo da China ficou clara com a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI):
  • Lançada oficialmente em 2013, já envolve mais de 150 países, com investimentos superiores a US$ 1 trilhão;
  • Controla portos estratégicos em mais de 30 países;
  • A China opera hoje 7 dos 10 maiores portos do mundo, e controla parcialmente 4 terminais nas Américas, incluindo áreas próximas ao Canal do Panamá, o que gerou alarme nos EUA.
Também:
  • Forneceu equipamentos portuários com tecnologia embarcada, supostamente com sistemas de monitoramento ligados ao Partido Comunista;
  • Enviou centenas de milhares de estudantes para universidades americanas e europeias, com instrução clara de retornar com know-how tecnológico e científico;
  • Criou centros de excelência tecnológica, como Shenzhen e Hangzhou, superando em algumas áreas (como IA e energia solar) os centros ocidentais.
O Declínio Ocidental e o Deslocamento de Prioridades
Enquanto isso, os EUA 
  • Deslocaram foco de suas universidades para pautas identitárias, humanistas e artísticas, muitas vezes desconectadas das necessidades técnicas e industriais;
  • Acumularam uma dívida estudantil superior a US$ 1,77 trilhão nos EUA, com muitos graduados ocupando empregos de baixa qualificação;
  • Abandonaram o ensino técnico e a formação em engenharia, ciência aplicada e manufatura de ponta.
A consequência: uma geração endividada e mal preparada para os desafios da nova ordem econômica global.
A Reação dos EUA: Segurança e Interesse Nacional como Vetor Econômico
A administração norte-americana recente (desde Trump até Biden, cada um à sua maneira) iniciou um movimento de reorientação econômica com foco na segurança nacional.
Reconhecendo que os EUA:
  • Vendiam muito menos do que compravam (déficit comercial de mais de US$ 1 trilhão em 2022);
  • Gastavam muito mais do que arrecadavam (déficit fiscal de US$ 1,7 trilhão em 2023);
  • Estavam altamente endividados (dívida pública acima de US$ 34 trilhões em 2024);
  • Produziam pouco do que consumiam;
  • Estavam dependentes da China em insumos estratégicos como chips, medicamentos e minerais raros;
Iniciaram medidas como:
Externo:
  • Realinhamento geopolítico com países estratégicos (Índia, Israel, Austrália, México e países do Golfo);
  • Redução de ajuda externa sem retorno claro e de interesse nacional;
  • Tentativas de recuperar influência sobre o Canal do Panamá;
  • Presença militar no Ártico e na Groenlândia, pela rota estratégica do Atlântico;
  • Transferência dos custos da OTAN e de segurança para Europa e Ásia;
  • Busca ativa de matérias-primas críticas (como terras raras e semicondutores) fora da China;
  • Estímulo à produção nacional via Lei CHIPS e IRA (US$ 280 bilhões para semicondutores e tecnologia limpa).
Interno:
  • Reindustrialização do país com retorno de fábricas (reshoring);
  • Incentivo à produção interna com subsídios, cortes de impostos e compra governamental;
  • Estímulo à formação técnica nas universidades;
  • Tentativas de simplificar o sistema tributário (com propostas de corte de imposto de renda para a classe média).
Comercial:
  • Fim da era da globalização irrestrita;
  • Imposição de tarifas de até 25% a 100% sobre produtos chineses (painéis solares, carros elétricos, chips);
  • Acordos comerciais bilaterais, e não multilaterais, com cláusulas de equilíbrio produtivo;
  • Redução do déficit da balança comercial como prioridade estratégica.
O Mundo em Reordenação

A nova ordem econômica está subordinada à soberania, segurança e estratégia de longo prazo.

O modelo neoliberal globalizado está sendo substituído por um capitalismo estratégico, onde o Estado:
  • Define prioridades produtivas;
  • Protege setores-chave;
  • Condiciona o comércio à segurança e independência tecnológica.
O Ocidente, se quiser sobreviver enquanto potência, terá que:
  • Reaprender a produzir;
  • Voltar a valorizar ciência, engenharia e inovação aplicada;
  • Blindar suas cadeias produtivas e tecnológicas;
  • Defender suas instituições não apenas com retórica, mas com resultados concretos.
 
Entendendo isto, compreenderemos a nova realidade econômica atual