matéria publicada originalmente na Istoé Dinheiro https://www.istoedinheiro.com.br/o-resgate-de-biden/

Pacote de US$ 1,9 trilhão em estímulos à economia será uma das primeiras iniciativas do novo presidente americano, mas Brasil deverá ser beneficiado apenas de forma indireta.

Enquanto Joe Biden, o 46º presidente eleito dos Estados Unidos, enfatizava a relevância da democracia em sua cerimônia de posse, na quarta-feira (20), os mercados globais festejavam a aproximação do maior pacote de resgate econômico desde o Plano Marshall, ao fim da Segunda Guerra mundial. A ofensiva representará um dos primeiros gestos de Biden à frente do país mais rico do planeta, dentro de um pacote de estímulos de US$ 1,9 trilhão (R$ 10 trilhões). O dinheiro será destinado ao combate da pandemia e aos efeitos nefastos que a crise de saúde gerou no mercado americano. “Com união, podemos fazer muita coisa e superar esse vírus mortal”, disse o presidente. “Milhões de empregos foram perdidos, milhões de empresas foram fechadas. Há muito a ser reparado, há muito a ser feito.” O diagnóstico de Biden sobre a economia já havia recebido o endosso prévio da secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, no Senado, um dia antes. A ordem do novo governo é clara: injetar altos esforços fiscais para socorrer a atividade econômica.

Fica fácil entender por que as principais bolsas europeias e os índices futuros em Nova York operaram em alta na manhã do dia da posse no sucessor de Donald Trump na Casa Branca. “Como Biden terá um governo mais voltado ao multilateralismo, isso tem um efeito positivo em todo o mundo”, disse Patricia Krause, economista-chefe para América Latina na consultoria Coface. “Os estímulos fiscais ajudam na recuperação doméstica, mas terá resultado em todos os países que mantêm relação com os americanos, inclusive o Brasil.”

Assim que assumiu a presidência, Biden pediu urgência ao Legislativo na aprovação das medidas e afirmou que o pacote é ambicioso, mas viável. O principal foco da proposta é na vacinação e no alívio para os cidadãos, com o pagamento de cheques no valor de US$ 1,4 mil, que devem se somar aos US$ 600 já aprovados em dezembro. Biden garantiu que US$ 440 bilhões de seu plano de resgate devem ter como destino comunidades que estão sofrendo mais com a crise. O alvo a ser perseguido em sua gestão é a criação de trabalhos “bem pagos”, no combate às mudanças climáticas e na promoção de igualdade racial.

Outra proposta que gerou euforia mundo afora foi a intenção de aumentar do salário mínimo no país para US$ 15 a hora, já que muitos dos trabalhadores com remuneração baixa estiveram mais expostos durante a pandemia. Hoje, esse valor de salário/hora já é considerado o mínimo apenas em alguns estados, como Nova York. “Vamos prover aos pequenos negócios o necessário para reabrir e reconstruir, facilitando acesso a crédito de US$ 175 bilhões para as empresas de menor porte, além de US$ 35 bilhões em investimento direto”, disse o novo presidente americano. “O número de empresas que o programa tem o objetivo de alcançar é maior que 1 milhão, entre as mais atingidas pela crise.”

Assim como o otimismo internacional, dentro dos Estados Unidos as iniciativas foram bem avaliadas. Segundo a National Association for Business Economics (Nabe), 73% dos economistas americanos acreditam que a economia dos Estados Unidos retornará ao nível pré-pandemia até o fim deste ano. Esse resultado contrasta com o cenário no Brasil. A mais recente pesquisa Datafolha revelou que 41% dos brasileiros acreditam na piora da economia nos primeiros meses do ano.

Na avaliação de Carlo Barbieri, economista e analista político que atua nos Estados Unidos há mais de 30 anos, e que preside a consultoria de investimentos Oxford Group, a projeção positiva das vacinas já aumentou a confiança no cenário econômico americano. “Começamos o ano de 2021 com aumento da procura por investidores brasileiros em busca de informações sobre o cenário nos próximos quatro ano”, disse. Para tentar capitalizar esse bom momento, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou a posse para dizer que os países são irmãos e precisam buscar harmonia. Ele não comentou, no entanto, que foi o último líder do G20 a reconhecer a vitória do sucessor de Donald Trump.

PRIMEIRO TEMPO Aos olhos dos mercados, os 100 primeiros dias do novo governo determinarão o ritmo de Biden para a economia. “Apesar de os democratas terem maioria do Congresso, o Trump ainda tem muito apoio”, disse Julian Zelizer, cientista político de da Universidade Princeton.

Em dez dias Biden quer oficializar a reentrada dos EUA no Acordo de Paris, reverter proibições de viagens, exigir o uso de máscaras em órgãos federais, além de prorrogar as restrições a despejos e a arrestos de imóveis residenciais por débitos. Um dos pontos de maior incerteza é a relação dele com o Brasil, em especial com Bolsonaro. O embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Nestor Forster, disse que Biden irá se deparar com um País diferente do que conheceu na era Obama. Em entrevista à GloboNews, Forster não entrou em detalhes sobre quais mudanças enxergou no período, mas disse que terá como um de seus desafios entendê-las. Com o mundo mudando e a pandemia transformando relações, entender o que se passa no Brasil, sem dúvida, não será a prioridade de Joe Biden.