publicada no Diário do Comércio

O mercado globalizado como o conhecemos hoje, já está em plena mudança devido à pandemia. Teremos um realinhamento na estrutura comercial do mundo. Os blocos comerciais como União Europeia e Mercosul deverão abrir lugar para acordos bilaterais entre países. O Brasil, se aproveitar a oportunidade, poderá ser prioridade no comércio internacional com a China e os EUA.

Os efeitos colaterais da pandemia no mercado global deverão ser extremos e provocar profundas alterações na forma como os países negociam seus produtos e serviços. Faço essa avaliação preliminar do comportamento do comércio exterior observando os primeiros meses da pandemia que me permitiu visualizar um cenário de consolidação de uma nova era de acordos comerciais entre os países.

Avalio que os recentes fenômenos como a saída da Inglaterra da União Europeia e da Argentina do Mercosul, demonstram que estas mudanças seguiram seu rumo, e têm acelerado a aproximação econômica entre países entre os países. A pandemia tem apresado essa ruptura dos blocos comerciais. Os acordos bilaterais serão a nova forma de globalização.

Nesse contexto, há um acirramento da guerra comercial entre China e Estados Unidos. A China exportava US$ 800 bilhões para os EUA anualmente e só comprava US$ 400 bilhões. Ou seja, havia um desbalanceamento grande e, por outro lado, as indústrias que estão saindo de lá buscarão países como o Brasil para ancorar sua indústria.

O Brasil é o principal parceiro comercial dos EUA e da China e poderá ter protagonismo nos dois países, caso compreenda essa nova forma de jogo de mercado.

Já nestes primeiros meses da pandemia, os produtos brasileiros ocupam posição de destaque nos mercados com a China e com os EUA. O Ministério da Agricultura do Brasil divulgou, este mês, o aumento da exportação de carnes suína e bovina para a China.

Segundo o Departamento de Alfândegas, mesmo com a pandemia as exportações de suínos cresceram. O destino foi a China, maior consumidor de carne suína do mundo.
Por outro lado, dados da Organização ComexVis colocam os principais destinos aos produtos brasileiros os Estados Unidos com 17,36% das exportações e China com 12,45%. Minha observação é que o protagonismo deve aumentar se o Brasil manter as relações comerciais com os dois países.

Os Estados Unidos já estão negociando diretamente com o Japão, Rússia, Índia e Brasil, assim como o fizeram com a Coreia, Filipinas e outras nações. A fuga das empresas internacionais da China, em busca de outro lugar para desenvolver suas atividades e continuar provendo seus produtos no mercado americano, deve beneficiar o Brasil. O que veremos, então, é um novo mercado americano mais aberto a substituir produtos que normalmente vinham da China.

Oportunidade para o Brasil que terá uma grande possibilidade de não só exportar o que já produz como também receber tecnologia e investimento de indústrias que estão saindo da China e que estão em busca de um outro lugar para ficar. Muitos parques industriais muito bem estruturados poderão agora, com uma política de governo mais voltada à exportação, aumentar seu fluxo.

A peste que se abateu na produção suína na China desde o ano passado a fez aumentar a demanda de compra a nível mundial. Então é realmente um segmento interessante para o Brasil entrar. A China, em particular, tem tido altos e baixos nessa produção agrícola, principalmente na área animal por conta da falta de “cuidados” na área de saneamento.

Nesse momento o importante é manter o custo de produção baixo, porque na medida que a China retorne a sua capacidade de produção, ela vai procurar produtos que possam manter a qualidade, mas também preços competitivos.

A China não tem problema de divisas. O país tem um programa de cerca de US$ 2 trilhões de reservas só em bônus no tesouro americano. É claro que há interesse da China em continuar sua exportação. O país tem, inclusive, um projeto que chama “Made in China 2025”, que é o domínio do comercio mundial através da logística.

Um projeto oficial do partido comunista da China. Por isso que o país criou a rota da seda, ampliou toda a sua capacidade de compra na área de portos e construção de ferrovias. Porque sabe que sua demanda será crescente.

É objetivo da China tirar o poder do dólar no mercado mundial e colocar como alternativa a sua moeda digital, recém-lançada. Para comprar e vender para a China esta será a nova moeda. A ‘queima de estoques” das reservas em títulos do tesouro América, faz parte desta estratégia, pois espera a desvalorização do dólar.

Por isso a China quer transformar este ativo financeiro em bens reais e está indo às compras tanto de ações (interessantemente desvalorizadas face a pandemia) e propriedades, no mundo todo. A medida que melhora a qualidade de vida do povo chinês o país precisa de mais produtos, particularmente agrícolas. E a parte da exportação da China está mais voltada para o segmento industrial. É onde praticamente o país ganha mais e pode pagar melhor aos seus cidadãos.

Sem dúvida o mundo inteiro vai comprar menos, não é só o Brasil que diminuiu a sua compra. A demanda de petróleo caiu praticamente a quase zero. Então a China vai buscar um reequilíbrio, mas esse reequilíbrio não é necessariamente contra o Brasil. Porque o Brasil é um parceiro importantíssimo para a China.

E o Brasil pode tirar um grande proveito nessa ocasião agora em que a China continuará tendo que disputar mercado para os seus produtos, porém, está sofrendo uma série de ações, inclusive públicas, a nível da justiça, em função de ter liberado de maneira irresponsável e tardia informações do vírus, o que está causando também uma crise política com o mundo inteiro.

Uma nova relação comercial dos Estados Unidos com o Brasil também está prevista. Um novo mercado em que o Brasil, se aproveitar a oportunidade, poderá ocupar papel central na relação comercial com o vizinho americano. Já está em curso uma negociação mais direta entre o país norte-americano e o Brasil.

Na área agrícola, em particular, com toda sua capacidade de produção de proteína animal, o Brasil deve ocupar um lugar de destaque. Isso porque a pandemia não só acabou atrapalhando a produção nos EUA, como também na China. Com isso, o país se coloca como um eminentemente provedor de produtos de alta qualidade para o mundo em geral e para esses dois grandes países, em particular.