A cegueira conservadora

Finalmente a Câmara Americana aprovou a legislação que promoverá a mudança mais importante que os EUA terão, desde o governo Roosevelt, do ponto de vista social. Após intensa campanha pública e árdua negociação, os 220 votos necessários foram juntados na câmara baixa para passar o projeto, já sem os arroubos da proposta original, mas atingindo o escopo de colocar a população do país mais rico do mundo com o básico em segurança social.

É inconcebível como em um país com esta forca econômica, uma grande parcela de sua população é ainda desassistida em caso de doença ou qualquer necessidade médica. O pior é um país em que o custo da medicina, ainda que quase totalmente privada, é extremamente cara e anos luz de distância de se dizer humana. Os seguros de saúde aqui conseguiram, já há algumas décadas, o privilégio de estarem fora da legislação que coíbe o abuso de poder econômico e acordo entre concorrentes. Com isto, as empresas privadas desta área se tornaram potencias financeiras inigualáveis.

Por outro lado, os laboratórios de produtos médicos conseguiram formar um cinturão de privilégios através do qual os remédios também são os mais caros do mundo. O custo do governo para assistir o idoso de mais de 65 anos rouba uma fatia enorme do orçamento do governo americano. E, finamente, para não ser enfadonho, as leis e advogados conseguiram fazer da medicina uma atividade de alto risco, com ações milionárias por qualquer tipo de suposto ou real erro médico, que fazem com que, praticamente metade do valor da consulta seja destinada ao pagamento de seguro para evitar que o médico perca todo o seu patrimônio por conta de uma ação legal, que muito menos do que proteger a população se destina a encher as burras dos causídicos.

Para cobrir esta deficiência, os médicos se tornaram autênticas fábricas de consultas, atendendo a quatro pacientes por hora, num verdadeiro sistema “drive through” tão comuns em comidas rápidas, como o Mc Donald.

Os interesses corporativos impediram do ex-presidente Bush de mudar esta lei, para impor limites que baixassem este custo dos seguros. E agora as forcas conservadoras, inclusive do Partido Democrata, quase deitam por terra a lei de seguro social.

A força destes grupos é de tal ordem que, através de uma intensa campanha de mídia lograram que praticamente metade da população esteja contra a nova lei, em baixo do temor de uma estatização desastrada da previdência e o aumento do déficit público.

Na verdade, ambas as preocupações tem procedência, pois o Estado é mau administrador e corrupto em qualquer parte do mundo (nós brasileiros bem sabemos disto), e aqui nos EUA embora com leis mais sérias e aplicadas, não escapa à regra. E o custo desta nova regra de amparo a população, em especial os de menor recurso e os que desenvolvem atividades individuais, não custará menos do que um trilhão de dólares em 10 anos. Mas, não dava mais para pospor este problema e deixá-lo insolúvel.

Há que se enfrentar a questão de déficit público com cortes de despesas em outras áreas, inclusive melhorando a defesa, com corte de custos. Aqui, como em outros países há muito se foi criando um clientelismo nos orçamentos federais, que sugam o dinheiro do contribuinte para dar verbas a atividades de menor relevância que venham apadrinhadas por lobbies fortes de interesses conhecidos, mas não necessariamente reais.

A força destes lobbies criou bilhões de dólares de despesas públicas, para sustentar programas de resultados questionáveis e de proporção não relativa aos gastos.

Claro, não se tem ONGs para a defesa do (ex) planeta Plutão, nem verbas não aplicadas para simples compra de votos ou apoio de grupos de sustentação do governo, como aí no Brasil. Aqui, o equivalente ao TCU funciona e é apoiado pelo governo e a população.

Também não se deixa de ter a preocupação de socialização da medicina, que apavora os conservadores e a classe média americana. Porém o que importa é que, a assistência de saúde universal era e é uma necessidade real da população e finalmente deve ser implantada neste vendaval de reformas que o atual governo vem fazendo não apenas nas leis, mas na cultura deste povo trabalhador.

Conservador sim, cego reacionário não!

Carlo Barbieri é gestor do São Paulo Business Center, presidente do Brazilien Business Bureau e presidente da Oxford Group.

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