Carlo Barbieri, presidente da consultoria Oxford Group, avalia que eventual Governo democrata tenderia a deixar o Brasil em segundo plano na região
Em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste, o economista Carlo Barbieri, experiente analista político e presidente do grupo Oxford Group, empresa de consultoria brasileira com longa atuação nos Estados Unidos, considera que uma eventual vitória do candidato democrata Joe Biden contra o presidente Donald Trump na eleição de 3 de novembro favoreceria mais a Argentina, hoje governada por uma aliança entre as forças do centro e da esquerda, em detrimento do Brasil. O especialista previu “divergências ideológicas” entre o Governo Bolsonaro e uma Casa Branca comandada pelo atual opositor de Trump.
O que a escolha da senadora Kamala Harris como vice-presidente de Joe Biden representa para o Partido Democrata?
Representa um passo importante para o Partido Democrata buscar a unidade entre seus membros para participarem da eleição. Nos EUA, tem muita influência a quantidade de pessoas que vão votar, a motivação que leva a pessoa a sair de casa, porque no sistema eleitoral americano o voto é voluntário. Na última eleição, não é que o Trump ganhou, mas a Hillary perdeu. A esquerda e a juventude do partido não foram vibrantes no apoio a ela. Agora, o Partido conseguiu um feito histórico: pela primeira vez, ele marcha unido para a eleição. E mesmo que a união tenha nascido a partir da necessidade de derrotar o Trump, não importa. O que importa é a unidade, que não aconteceu na eleição passada. Essa candidata traz consigo a segurança, porque é respeitada na sua área política. Além disso, leva consigo a comunidade afrodescendente, dá esse tom mais jovial ao Partido, quebrando a ideia do establishment.
Após o anúncio de Kamala como vice, Trump publicou uma série de postagens atacando ela e Biden. Como a escolha dela ameaça a candidatura de Trump?
A própria reação do Trump mostra que ela, de alguma maneira, significou algo importante. A esquerda do Partido Democrata trabalhou para que a Michelle Obama (ex-primeira-dama) fosse a candidata a vice-presidente. Mas, por razões pessoais, ela preferiu não disputar essa corrida. Acredito que isso traria mais perdas para a candidatura do Biden. A escolha, de qualquer maneira, foi boa o suficiente para que o Trump focasse os ataques nela. Menos no Biden, mais nela. Biden não motivaria a união partidária, nem os jovens e a esquerda do Partido. Ela representa isso e passou a ameaçar com mais força a candidatura do Trump.
Em agosto, o mundo viu o anúncio do acordo histórico entre Israel e Emirados Árabes, mediado pelos EUA. Qual a influência disso para Trump?
O que o Trump tinha como grande mote eleitoral era o sucesso na área econômica americana. Nunca antes na história dos EUA nós tivemos um sucesso econômico tão grande em tão pouco tempo. O desemprego muito baixo, na própria população afrodescendente que o Obama deixou com 28%, na Era Trump chegou a menos de 6%. O sucesso econômico do Trump é indiscutível. E isso, se não fosse a pandemia, levaria, necessariamente, à reeleição. Na parte externa, o Trump é uma pessoa pouco simpática. Então, ele renderizou (interpretou) a política externa americana dentro da sua visão. Logicamente, isso não é uma coisa que dá prestígio. O acordo do Oriente Médio foi um acordo importante, mas no âmbito interno, a imprensa americana não deu ênfase nem destaque na importância que isso representa. A importância para a eleição vai depender do uso que o Trump é capaz de fazer com isso na propaganda paga.
Caso Biden venha a ganhar, como fica um governo democrata em relação ao Brasil?
Tudo indica que vai haver um grande problema, um atraso. O Partido Democrata tem uma visão globalista. Nessa visão, os acordos que procuram fazer são de várias nações: da União Europeia, com o Mercosul, países do Pacífico. O Partido Republicano tem uma visão bilateral do comércio, então, todos os acordos globais gradualmente foram extintos no Governo republicano. Se o Biden assumir a Presidência, ele vai reformar a política comercial americana, ele vai negociar com o Mercosul. Esse apoio vai ter como interlocutor maior a Argentina, que tem mais afinidade com o Partido Democrata. Vai, logicamente, haver divergências ideológicas com o Governo brasileiro, que segue a linha de acordos bilaterais. Mas não creio que isso afete muita coisa. O fato de o Governo ser de direita ou de esquerda no acordo bilateral é muito menos irrelevante do que o interesse do país.